A brasileira deixara já de dançar e Carlos apenas estrebuchava de riso, atirando a cabeça contra o decote transpirado de Sónia. Eu tive apenas tempo de sair dali para fora, correndo e tropeçando nas mesas, derrubando copos, as gargalhadas dos argentinos mordendo-me os calcanhares.Amaldiçoei os dois, os argentinos, o cabaré, o bairro todo.Chovia, na rua. As gotas tombavam grossas, iluminadas pela luz fraca dos lampiões, metralhando o granito do chão, brilhante e negro. Da terra elevava-se um cheiro saudável a terra molhada. Senti-o quando parei, ofegante, contra um dos candeeiros, vergado pela corrida, aspirando sofregamente.Lembro-me de ter chorado e de, por trás da cortina de lágrimas que me transtornava a visão, ver uma ponta de luz vermelha brilhando na sombra de um beiral. Era um homem fumando, Marmeladoff, crei. Não posso jurá-lo, mas pareceu-me o Russo.Reparei que me olhava e que ergueu o colarinho da gabardina antes de desaparecer na escuridão, o cigarro brilhando outra vez. Devia, talvez, segui-lo e exigir que fizesse cumprir o resultado do nosso jogo, mas, em vez disso, respirei fundo, voltei o rosto para as gotas e prometi vingar-me. Era afinal, o único tango de que eu gostava, aquele que Juan cantava com ar fanfarrão e voz grossa e que se chamava Venganza.
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