Fazer cócegas à morte (até ela se escangalhar de tanto rir)Poder-se-á olhar a morte como a vida levada ao extremo? E ao ridículo? Quantas mortes cabem na linguagem? Numa série de pequenas histórias que percorrem o alfabeto, Luís Afonso, mestre do dizer muito em pouco traço, olha a morte ao microscópio, desconstruindo-a letra a letra, nome por nome, para provar que ela não faz sentido; que afinal nem sabemos o que a ela é, e por isso pode ser tudo: desde um erro informático a uma personagem caprichosa; que na verdade apenas sabemos que ela existe porque outros nos disseram, desaparecendo.Com muito surrealismo e o seu traço único de ironia, perspicácia e humor, em Morte de A a Z Luís Afonso descreve-nos diversas situações que navegam entre a tragédia do morrer e a comicidade do ainda estarmos vivos. Nestas situações é possível fazer tudo com a morte: ralhar com ela, como se fosse um animal doméstico malcomportado, fazer-lhe cócegas (para viver melhor), esperá-la de copo na mão ou um sorriso, ou até fazer uso dela para provar um argumento numa discussão, como se se tratasse apenas de um gesto do corpo como outro qualquer. Cada história termina sempre com uma morte diferente e inesperada, risível, pitoresca, ou mesmo angustiante, mas deixa sempre uma pergunta no ar, que caberá ao leitor habitar.A morte é uma coisa absurda, e é assim que Luís Afonso a trata, levando-nos inevitavelmente a uma celebração da vida (também ela tantas vezes absurda), porque ao rirmos dos desígnios imperscrutáveis da morte, conseguiremos porventura viver um pouco melhor. ao percorrer esta histórias fica-se com a sensação de estar dentro de um daqueles sonhos paradoxais que fazem sentido mesmo sem fazer, porque tudo é metáfora, tudo tem significado para lá do significado.Acordaremos um dia livres, enfim, de todo o medo. No entretanto, rir é, ainda assim, o melhor mistério.
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