O Homem helénico não é em nada diferente do Homem que encontramos nas ruas ou nos estádios ou nas escolas dos nossos dias, a não ser nas actividades a que o mais actual se dedica com tecnologia muito superior, pois ainda não foi, apesar de tudo e para bem de todos nós, substituído por robôs, que obedeçam a um comando central.
Tucídides, o nosso historiador, intelectual e guerreiro, tem para o seu tempo uma visão que quase diríamos cínica, porque, temos de confessá-lo, se aproxima da nossa, a respeito dos que se dedicam à política, à justiça, à oratória, ao conhecimento mais profundo do Homem e consequentemente à guerra, quer empunhe uma adaga, um arco com flechas, um dardo, uma funda, ou simplesmente o punho de um remo ou o pau de um tambor ou sopre na flauta, que marca o ritmo dos que impelem a embarcação para o destino escolhido, ou do que avança no pódio para proferir um discurso, depois de ter estado sentado a uma secretária, dotada de computador. […]
Sabe consequentemente o que esse Homem, «medida de todas as coisas», é capaz de fazer de Bem e de Mal. Descreve as suas acções no tempo, no espaço, no constrangimento do medo e no à-vontade do poder absoluto ou democrático, que o conduz com segurança para inovações inesperadas em intervenções executadas no momento propício. […]
É inegável o seu interesse em descrever e analisar com pormenor os comportamentos humanos, e compará-los entre si, demonstrando um entendimento próximo de disciplinas que só modernamente se afirmaram, como a psicologia e a antropologia, ainda que saibamos que, no seu tempo, os «caracteres» eram tipificados. […]
Observa a influência negativa do acaso, da Sorte, como geralmente se diz, que levava os próprios Lacedemónios, povo por excelência guerreiro, quando da campanha na ilha de Citera, colónia dos Atenienses, a temerem apavorados que a tal Sorte lhes reservasse algumas surpresas. O inesperado, o imprevisível na guerra torna-se uma obsessão, sobretudo quando se opera de forma não convencional, numa táctica de guerrilha. Não é de admirar que os actuais combatentes terminem tantas vezes possuídos de fortíssimas depressões, de desequilíbrios psíquicos de toda ordem ou de uma repugnância sem tréguas contra a Humanidade.
(Da Introdução de Raul Miguel Rosado Fernandes)